quinta-feira, 28 de maio de 2009

A Odisséia (versão dos Pampas)

Então, índio velho, se achegue que eu vou te contar uma história das mais antiga... Essa história é cumprida pra mais de metro de texto, então, vou resumir poucos capítulos, senão é pra dormir antes de saber o final.

Cap. 1 - A peleja em Tróia
Buenas. Os gregos acreditavam que os campos do paraíso eram só pra deus. E nada mais, sem pirraça. Ali então, Zeus (que esse é pra ser o monarca dos deuses) desandou a fazer tudo quanto foi deus, pra ter irmão, irmã, prima, esposa e filha... uma parentaiada só! Não me pergunte como é que ele fez, só. Mas aí, dois dos filhos do Zeus se casaram: Peleu e Tétis. Zeus não tava na função por acaso: não convidou Éris, que era a deusa das encrenca. Mas ali que ele se atrapalhou! Se mulher já é teimosa, imagina deusa! Aí que ela foi mesmo! Se vestiu de invisível e fez bem o seu papel; encontrou uma mesa em que outras três se abancavam: Hera, Atena e Afrodite. Ela lagou em cima da mesa uma maça d'ouro. Tava escrito na maçã "Deusa favorita". Não deu dois minutos e tavam as três estragando a festa, se puxando pelos cabelo pra ficar com a tal maçã. Aí Zeus já tinha visto tudo. Fez um gritedo e parou a folia! Mas já que não podia escolher uma das cria, pra não desagradar as outras duas, ele pediu um tempo pra pensar e foi à Terra encontrar um menino mui puro pra ajudar na escolha.

Ele pediu ajuda prum tal de Páris. Esse aí era príncipe de uma estância mui buena, cercada de uma taipa de nove metros de altura (pra não se incomodar com os vizinhos) de nome Tróia. O pai do Páris se chamava Príamo e era mais inteligente que o nome. Mandou o guri ainda piazito ser criado com uns camponeses pra ficar mui puro. Tanto deu certo que Zeus escolheu ele!

Pois aí, tava Páris pensando qual das três deusas ganhava a maçã. Hera se vestiu como gente e desceu à Terra. Se achegou nele e disse pra que escolhesse ela, que, como ela era deusa da prosperidade, deixaria o guri mui rico. Atena, que era deusa do conhecimento, não se agradou do que Hera fez, mas resolveu jogar do mesmo jogo: desceu à Terra, se achegou no Páris e disse pra escolher ela, que ela ia deixar ele mais esperto que turco na hora de fazer empréstimo. Afrodite também desceu à Terra. Essa era deusa da paixão. Disse pro Páris tomar vergonha na cara, que um dia ele havia de ser homem, que ele ia precisar de uma mulher e que isso ela arranjava se ele escolhesse ela. Ai, patrício... sei o que tu deves estar pensando. tanto eu quanto tu escolheríamos isso! Deu-se que Páris escolheu Afrodite e ela disse que quando tivesse decidido que mulher queria, era só pedir.

Passou-se tempo, Páris virou príncipe... e nesses andejos de príncipe, teve de ir a uma estância recheada de milico, chamada Esparta. Essa aí era uma cidade pra quem queria virar taura de peleja. Ensinavam ali a fazer de tudo quanto era coisa de soldado: marchar, soldar espada, pelejar e assim por diante. Mas voltando ao causo, o rei de Esparta estava ocupado demais pra atender Páris, e quem atendeu o rapaz foi Helena. Essa, diziam, era a mulher mais bonita do mundo (e veja bem, patrício, que o mundo não tinha muita gente, decerto era verdade). Bom... guri novo e mulher bonita... não ia prestar, mesmo! Páris disse o nome de Helena em voz alta, ela apaixonou-se... não demorou muito tempo e Menelau descobriu tudo.

Enlouqueceu, o homem! Queria carnear o Páris. Só que quando os homens do Menelau souberam, Páris já tava longe, montado num cavalo baio com Helena na garupa, rumo a Tróia.
Deu-se que Menelau queria jogar toda a tropa em cima das estâncias troianas, mas sabia que a peleja ia ficar muito parelha. Pediu ao irmão dele, Agamenon (esse era tão bavo quanto o nome) uma ajuda, e esse era monarca de uma outra estância chamada Mecenas. Ainda tinha uma tal estância de Atenas que lhes devia uns favores... se juntaram as três, embarcaram na viagem pelo Mar Egeu e iniciaram uma peleja que durou mais de dez anos!

E Tróia as pelejas começavam bem... mas os troianos logo viam que não ia dar boa coisa, se entocavam pra dentro das taipas troianas. Mas esses troianos eram metidos à indios: escondidos, jogavam flecha em tudo quanto era grego. E assim a luta dos homens perdurou...
Chegou um tal de Aquiles, pra ajudar os espartanos. Esse aí era tão taura, que diziam que quando ele ainda era mirradinho o monarca das pelejas, Ares, mandou a mãe dele mergulhar o guri no rio da imortalidade. A velha fez quase tudo certinho, só que segurou ele pelo garrão, que foi onde a água do rio não pegou. Mas voltando, Aquiles tinha chegado com um primo mais novo, de nome Pátroclo (tão ruim na briga quanto o nome). Os gregos, em comemoração, deram uma bela coça nos troianos e voltaram pro acampamento fazendo festa. Desandaram a dar vinho pro Aquiles a noite inteira, até ele chamar "Jesus" de "Genésio". De madrugada, os troianos chegaram de madrugada na cancha pra dar o troco nos gregos. Muita gente se preparou, mas Aquiles tava mui torto, não atinou nem a acordar do décimo sono em que estava. Daí, Pátroclo, que era guri novo (desses que não dá pra deixar sozinho, senão já dá porqueira), vestiu a armadura e o capacete de Aquiles, pra se passar por taura. No meio da pelejação toda, apareceu o troiano Heitor (e esse tava louco pra mandar o Aquiles pro outro mundo), que era irmão mais velho de Páris e metido a valente, viu o piá, achou que era Aquiles, e desceu o sarrafo no guri. Atravessou o peito dele com a espada e voltou da peleja pra casa cantando. Amanheceu, Aquiles acordou-se e viu que tinha muita coisa errada. Achou o que sobrou do piá na montueira de estrupiados e se flagrou de tudo. Aí vestiu as armaduras, colocou o capacete e bateu na porteira de Tróia e perguntou por Heitor. Heitor desceu da estância e iniciaram os dois uma peleja bonita. Só não deu meia hora e Heitor tombou morto da Silva. E Aquiles, mesmo ganhador, saiu rosnando de perto de Troia.

Os dez anos estavam pra acabar, quando chegou um tal Odisseu. Patrício, tenho de fazer uma parada no causo principal pra explicar o que ele fazia ali. Muito antes dessa peleja toda, Odisseu era dono de uma estanciazinha cercada de água, chamada Ítaca. Uma vez, ele estava em Esparta e se engraçou pros lados de Helena. Mas como Odisseu não era burro como o Páris, quando Menelau tinha visto, ele se desculpou. Explicou que não sabia que a china tinha dono e disse que se alguém atravancasse Esparta ele mesmo ia resolver. Mas isso porque ele jamais imaginava que alguma criatura seria tão besta a ponto de pelejar com Esparta. Mas enganou-se. Um dia, tava o Odisseu bem-belo, abancado no trono de rei da ilhota e avistou um barco espartano. Como imaginou que era cobrança de dívida com Menelau, colocou uma canga de arado no pescoço e desandou a fazer lavoura mugindo. Os homens viram aquilo, desconfiaram que era loucura (mas não essas vaca-louca... isso ainda tava longe de ser achado) e tavam pra ir embora. Só que um deles viu a Penélope (e essa era a mulher do Odisseu) com um bebezito nos braços. O homem pegou a criança e jogou na terra, pra ver se o Odisseu tava mesmo doido. Odisseu viu a cria na terra e se entregou. E certo fez.

Pois aí, patrício, Odisseu chegou e viu como é que tocavam no baile das estâncias de Tróia. Ele reparou que em Tróia os homens usavam um escudo com um bagual branco desenhado na frente, isso no meio de uma da peleja. Fizeram os homens de tróia recuar e começaram coma s flechas mais uma vez. Então, Odisseu atinou a sair saracotiando: "Bamo s'imbora, que esses taura ganharam a peleja. Bamo, que a terra é deles..."

Os de Esparta se achegaram nos acampamento e começaram a guardar tudo nas barcas... daí o Odisseu desandou a gritar pro macharedo: "Se acalmem, que a coisa é outra. Eu só queria que esses bagual de Tróia pensassem que tinham ganho. Agora é que eles caem do cavalo." E, nisso, Odisseu mandou os homens erguerem uma estátua enorme, dum alasão feito de madeira, a mesma que se faziam os barcos.

Deu umas 5 da madrugada (decerto, pois o sol tiunha nascido e ninguém tinha relógio na época), e o cavalo tinha ficado grande que dava pra ver o bicho lá do horizonte. Os cavaleiros de Tróia foram olhar que dabo era aquilo mais de perto... e contaram pro Príamo (o monarca deles) que não tinha barco no Mar Egeu, nem barraca no acampamento, só o bagualzito no más. Aí o monarca tava achando que era milagre, que os deuses tinham criado o bicho pra comemorar a vitória com ele. O Páris não achou que fosse o caso, disse pra queimarem o cavalo. Daí o Príamo estranhou o guri, deu-lhe umas bordoadas, mandou ele calar a boca e mandou colocarem o cavaldo de madeira no centro da cidade.

Anoiteceu e tava Tróia toda em festa. Se esbaldaram a beber e festar muito. A noite caiu e a barriga do cavalo se abriu. Dali saíram todo o tipo de taura contra Tróia: espartano, mecênico, ateniense e os do Odisseu. Estrupiaram com a Tróia, como raposa em galinheiro. Os troianos não tinham pronde fugir, ali deu o diabo todo...

Aí, chegaram os gregos na sala do rei de Tróia e desandaram a fazer o maior surungo. Páris tava apanhando como cachorro... jogou uma flecha pra cima e não é que a desgraçada não parou direto no garrão do Aquiles? Esse só disse "Aiaiai!" e tombou no chão mortinho da Silva. Só que o Páris viu que a coisa ia desandar pra cima dele, abriu uma passagem secreta e se bandeou com o rabo entre as pernas.

O Menelau, por outro lado, encontrou a Helena sozinha. Disse pra ela dar uma espiada na janela da sala e ver mais de mil maragatos se sarrafeando. E que tudo aquilo era por causa dela, então que deixasse de frescura. A prenda aceitou. Deu a mãozinha pro Menelau e dispararam rumo a Esparta.

E o Odisseu, sabichão que só ele, desandou a berrar na beira do Mar Egeu que era mais forte que os deuses. Sabe, patrício, o Odisseu era muito esperto, mas não tem homem na Terra que não tenha cometido uma besteira. Digo isso porque o deus monarca dos Mares ouviu o taura. Isso, veja vosmicê, era normal: tu te empolga com um feito, do tipo ganha uma guerra, e faz de dizer essas coisas... Mas o Odisseu não devia ter dito isso, porque o tal monarca Poseidon não se agradou da conversa.

Mas aí, já é assunto pra outra roda. Noutra vez, eu lhe conto.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Cinza II

Que frio! Sinto saudades de minha mãe. Se não fosse pelo meu pai, talvez essa poça desse misto de sangue e pó não fosse de quem é. Eu sinto a fumaça saindo do cano... o calor... eu ainda lembro do quão disparado bateu meu coração minutos antes de puxar o gatilho.

Eram duas da tarde. Depois de muito investigar, de muito examinar, de especular, de poucas noites dormidas... Sempre foi assim: horas e horas na internet, mas aquele momento era um pouco diferente. Desta vez, eu tinha um motivo. Meu pai foi morto por alguém. Nenhuma novidade até aí. Poucas honras feitas a ele. Eu sabia que ele se envolvia com gente barra-pesada, então o velório foi rápido. Nenhuma novidade.

Uma das vantagens do mundo moderno é a velocidade da informação. A polícia deixa muita coisa no plano virtual. Não é necessário ser hacker muito treinado (eu sou) para que se recolham “dicas” sobre qualquer caso. Não preciso dizer que foi o que fiz: usei os dados da rede de investigação da polícia e procurei pelo “Caso Marco”. Fácil demais.

Mataram o velho... a perícia encontrou em uma lixeira dois celulares. Um era do meu pai. O outro estava destruído, como se uma bala tivesse atravessado apenas uma das paredes dele por explosão interna. No fim das contas, estou certo: ele foi morto por alguém. Os dados apontaram um fato curioso no mortis causa: o projétil que matou meu pai não era uma bala. Era como uma bola de chumbo. Foi ela que atravessou o celular. Mas, dentre os celulares que a polícia encontrou, não era o do meu pai que estava destruído. "Uma armadilha" - pensei.


Como encontrar o desgraçado em uma cidade cada vez maior e mais cinza? Achei que fosse hora de ir pessoalmente ao apartamento do meu pai. Não queria vingar a morte dele, simplesmente. Eu gostaria de matar o homem que matou meu pai. Meu pai morreria pelas minhas mãos. E esse homem tirou isso de mim!

A perícia não sabia, mas meu pai tinha mais de uma arma. Uma em especial, eu conhecia bem o esconderijo. Perito nenhum observaria uma pedra falsa no banheiro, um cofre que raramente era aberto. Mas eu o vi fazendo. E não tive dificuldade nenhuma em reproduzir os movimentos dele para abrir o cofre.

Acessei seus e-mails também. Não entendi muita coisa, mas há uma rede em que meu pai trabalha. Um de seus rivais era Hugo. Se você mora nessa cidade, e sabe por que ela tem essa cor, deve conhecer Hugo. Papai trabalhou para ele, mas se desentenderam. Hugo traficava drogas, era “chefe grande”. Certamente, o meu pobre velho recusou essa parte do trabalho. Não vejo meu pai como herói. Mas ele não era vilão.

Deduzi que era hora de ir à polícia. Como sou jovem, decidi me vestir como nerd. Um estagiário de jornalismo, querendo ver o trabalho da perícia. Um policial me serviu como guia. Depois de ver a sala de “coletas” de provas de crimes, pedi para ir ao banheiro e de lá, chamei o meu “guia” pelo celular. Liguei para a estação de polícia e pedi que o chamassem. Ele foi atender o telefonema. E eu recuperei os celulares. O do meu pai e o outro. O guia voltou e eu consegui sair sem desconfiança de ninguém.

Usei o telefone. Exigiu muito de mim. Tive que usar alguns amigos que entendiam melhor isso de eletrônica. Não preciso dizer que eles são melhores que a polícia. A memória do telefone deu o nome do último número. Era o do meu pai. Mais algumas tarefas como hacker e encontrei o nome do homem que o ligou. Li também as poucas mensagens que ele mandava a uma certa G. No descobri muito a respeito dela. Só a admiração dele por ela. Pensei em sequestrá-la, mas eram poucas informações. Eu poderia matar os dois.

Esse é o tipo de vingança que não deve demorar muito. Por sorte, um dos meus amigos conseguiu um endereço "quente", possível morada do meu alvo e ligou para o meu celular. Apartamento 505. Anotei os dados, carreguei a arma e usei um circular para chegar lá. De bônus, meu amigo descobriu que ele não tem nenhuma arma registrada.

No caminho eu observei a cidade, algum assalto, muitas outras coisas que tornam essa cidade cinza. Uma nuvem escura começou a esconder o céu e colaborou para a falta de cor do cenário. Minha parada ficava a poucas quadras dali. Fui respirando fundo. Matar não é simples. De repente, um homem de chapéu em um casaco marrom me olhava. Ele estava na porta do prédio em que eu entraria. Ele entrou muito rápido no prédio. Suspeitei. Subi as escadas correndo. Ele estava subindo com alguma vantagem. Tirei a arma da cintura. A porta do 505 se fechou. Ouvi a tranca da porta funcionar. O apartamento 505. Coincidência?

Era hora do show! Disparei contra a maçaneta. Funcionou, a porta abriu. Estava escuro. Botei a mão em um interruptor, mas não havia luz. A única coisa que iluminava a sala era um espaço pequeno de uma janela entreaberta, mas o dia não é claro e tenho dificuldade. Finalmente avisto o vulto, abaixado em um canto. Que covarde! Fui andando para frente. Cinco balas. Despejei todas no desgraçado. Uma delas faiscou no casaco.

Senti como se uma abelha tivesse picado o meu peito. É parecido com quebrar uma costela. A dor era muita, acabei deitado no chão da sala. O pó do tapete assentava. Meu sangue começou a pintá-lo. O vulto continuava imóvel. A janela se abriu. Diante dela estava o homem que eu procurava, sem o casaco.

Apontei a arma para ele e puxei o gatilho. Estava sem balas. Meus olhos estão úmidos. Ele pegou o chapéu e deixou o casaco cair no chão. O vulto que vi eram quatro rodas de metal suportando o casaco e o chapéu. Perguntei de onde ele atirou. Ele disse que eu fui o único que atirou.

O calor do meu corpo parece estar acabando. Meu sangue fez uma poça. Frio. Sinto falta de minha mãe. Ele se ajoelhou ao meu lado e disse que eu também não tinha culpa. O verdadeiro culpado ia se ver com ele. Isso não me importa mais. A voz dele está ficando baixa. E está tão escuro...

(26/11/2006 – "Cinza" foi escrito. "Cinza II" foi escrito em agosto de 2008 e concluído no dia 26/03/2009)