quinta-feira, 25 de março de 2010

Migração

Pois é, galera...

Comecei esse projeto com o Andrezinho, mas perdi a inspiração, já que ele anda sem tempo, e já tem o blog dele pra se incomodar...

Estou migrando os textos daqui para o meu blog pessoal.
Pra quem não sabe, é esse aqui!

Decidi juntar meus textos sérios com as minhas bobagens.

Se vc veio parar aqui acidentalmente, passe lá!

Abraços!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Odisséia (Versão dos Pampas)

Como eu tava dizendo, patrício, o tal Poseidon tava bravo feito guará com fome. É que o Odisseu, faceiro que só, tinha ganho a guerra de Tróia e desandou a berrar que era mais taura que os deuses.

Poseidon escutou o berreiro e se incomodou!
- Te fresqueia, Odisseu! Te fresqueia! Tu precisa mais de deuses que as cria precisam de fralda! - disse o monarca das águas.
- Nem a pau! - retrucou Odisseu - Se eu preciso de deus é só pra segurar cavalo!


Cáp. 2 - A Peleia contra Polifeno.


Ah, mas o tal Poseidon não se agradou da conversa. Mas também não era muito burro. Resolveu que não ia matar Odisseu como se mata as moscas, já que os outros deuses veriam aquilo e não iam se agradar; ainda mais uma tal de Atena, que protegia Odisseu que nem se protege um filho.

Deu-se que Odisseu tentava voltar na chalana pra estância do Ítaca. Mas o Poseidon fazia o que bem queria com o mar, apontava a chalana proutros lados. Tudo no escurito: os deuses lá de cima não sabiam que era Poseidon quem atrapalhava, dava os tapas e escondia a mão.

A fome acarretou no povo da chalana. Odisseu mandou o pessoal preparar acampamento numa ilha cheia de grutas enormes. Odisseu reparou nisso, mas não entendia o porquê. Viram ovelhas na beira de uma gruta e se atracaram. Um churrasco já caia bem nessas horas. De repente um carreteiro... Mas aí chegou o dono da casa, Polifeno, que era ciclope.

Aqui, patrício, me permita: tenho umas explicações pra lhe contar. Primeiro, ciclopes eram uns homens muito altos e muito feios. Tinham um olho só. Claro, também já vi homem caolho, mas o feio desses é que era bem no meio da testa. Segundo, como foi que o Odisseu foi parar ali? Era lógico que era tocaia de Poseidon! Polifeno, esse ciclope, era filho de Poseidon. Era dono das ovelhas desse carreteiro que no fim das contas só ficou no planejamento... pra piorar, o bagulão alto e forte também comia carne de gente. E, patrício, pra que tu tenhas mais base: ele comia gente como se come salsichão: pegava de três dedos e moía nos dentes.

Polifeno chegou feliz da vida, trancou a caverna. Os desesperados se afundaram no meio da lã das ovelhas. Mas desandaram a suar frio e a respirar mui fundo, pelo susto. Polifeno desconfiou, meteu a mão no meio do rebanho e encontrou os taura de rodeio. Já comeu dois logo cedo, pra explicar quem tava mandando no baile.

Felizmente, Odisseu estava com toda a parafernália de acampamento. Aproveitou enquanto Polifeno enchia o bucho e mandou os outros abrirem o barril de vinho. Chegou sem medo na frente do bagualão e ofereceu o barril como se fosse um copo. Polifeno aceitou e, na faceirice que só o vinho dá, perguntou o nome de Odisseu. Odisseu, já lhe contei, patrício: era sabido. Disse que o nome dele era "ninguém". O motivo depois eu conto.

O vinho resultou num sono fundo de Polifeno. E como o bagual usava árvores como se usa lenha, Odisseu mandou os homens afiarem um tronco. Apertaram que nem sincha a barriga do Polifeno. Esse acordou, abriu o único olho que tinha, e levou uma estacada do tronco afiado. Ficou reinando que nem china solteirona, mas voltou a dormir.

De manhã, acordou imaginando que as ovelhas tinham fome. Para alimentá-las e ficar a sós com os presos, desta vez cego, Poliveno ariu só uma fresta da gruta e colocou a mão pra tatear quem passava. Se tinha lã, passava. Se tinha só couro, ele esmagava. Mas Odisseu nem disse nada. Abaixaram-se todos e colocaram uma ovelha nos ombros cada um. Polifeno foi tateando, tateando, tateando... e acabou sozinho no salão.

Irritado que nem sogra de primeiro namorado da filha, abriu a gruta reinando alto: "Meus irmãos, me ajudem! Ninguém me deixou cego! Ninguém tentou me matar! Ninguém está fugindo!" - era o diabo na Terra! estava entregando Odisseu, que antes disse que se chamava "Ninguém". Isso poruqe ele imaginou antes, que todas as grutas poderiam ter mais ciclopes. e se um era burro, mas difícil de lidar, imagine mas quatro, cinco ou cinquenta...

Os irmãos do Polifeno ouviram os berros, mas, como entenderam que não tinha ninguém incomodando, sossegaram. Polifeno, soltando fogo pelas venta, jogou uma pedra atrás de outra no mar, querendo acertar Odisseu, que ria quase se mijando da situação. Quase acertou uma, isso quando Odisseu disse pra ele "Tu és mesmo burro! Meu nome não é Ninguém. Quem te enganou, escuta, o nome é Odisseu!"

Polifeno começou então a pedir pra Poseidon vingar ele da cegueira. Poseidon fazendo de conta que era pitiço novo (ou seja, que nada sabia) prometeu vingança, como se não fosse ele quem tivesse mandado Odisseu praquela ilha.

Polifeno resolveu encomodar mais um pouco. Mas paciência, patrício, que conto noutra vez.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

A Odisséia (versão dos Pampas)

Então, índio velho, se achegue que eu vou te contar uma história das mais antiga... Essa história é cumprida pra mais de metro de texto, então, vou resumir poucos capítulos, senão é pra dormir antes de saber o final.

Cap. 1 - A peleja em Tróia
Buenas. Os gregos acreditavam que os campos do paraíso eram só pra deus. E nada mais, sem pirraça. Ali então, Zeus (que esse é pra ser o monarca dos deuses) desandou a fazer tudo quanto foi deus, pra ter irmão, irmã, prima, esposa e filha... uma parentaiada só! Não me pergunte como é que ele fez, só. Mas aí, dois dos filhos do Zeus se casaram: Peleu e Tétis. Zeus não tava na função por acaso: não convidou Éris, que era a deusa das encrenca. Mas ali que ele se atrapalhou! Se mulher já é teimosa, imagina deusa! Aí que ela foi mesmo! Se vestiu de invisível e fez bem o seu papel; encontrou uma mesa em que outras três se abancavam: Hera, Atena e Afrodite. Ela lagou em cima da mesa uma maça d'ouro. Tava escrito na maçã "Deusa favorita". Não deu dois minutos e tavam as três estragando a festa, se puxando pelos cabelo pra ficar com a tal maçã. Aí Zeus já tinha visto tudo. Fez um gritedo e parou a folia! Mas já que não podia escolher uma das cria, pra não desagradar as outras duas, ele pediu um tempo pra pensar e foi à Terra encontrar um menino mui puro pra ajudar na escolha.

Ele pediu ajuda prum tal de Páris. Esse aí era príncipe de uma estância mui buena, cercada de uma taipa de nove metros de altura (pra não se incomodar com os vizinhos) de nome Tróia. O pai do Páris se chamava Príamo e era mais inteligente que o nome. Mandou o guri ainda piazito ser criado com uns camponeses pra ficar mui puro. Tanto deu certo que Zeus escolheu ele!

Pois aí, tava Páris pensando qual das três deusas ganhava a maçã. Hera se vestiu como gente e desceu à Terra. Se achegou nele e disse pra que escolhesse ela, que, como ela era deusa da prosperidade, deixaria o guri mui rico. Atena, que era deusa do conhecimento, não se agradou do que Hera fez, mas resolveu jogar do mesmo jogo: desceu à Terra, se achegou no Páris e disse pra escolher ela, que ela ia deixar ele mais esperto que turco na hora de fazer empréstimo. Afrodite também desceu à Terra. Essa era deusa da paixão. Disse pro Páris tomar vergonha na cara, que um dia ele havia de ser homem, que ele ia precisar de uma mulher e que isso ela arranjava se ele escolhesse ela. Ai, patrício... sei o que tu deves estar pensando. tanto eu quanto tu escolheríamos isso! Deu-se que Páris escolheu Afrodite e ela disse que quando tivesse decidido que mulher queria, era só pedir.

Passou-se tempo, Páris virou príncipe... e nesses andejos de príncipe, teve de ir a uma estância recheada de milico, chamada Esparta. Essa aí era uma cidade pra quem queria virar taura de peleja. Ensinavam ali a fazer de tudo quanto era coisa de soldado: marchar, soldar espada, pelejar e assim por diante. Mas voltando ao causo, o rei de Esparta estava ocupado demais pra atender Páris, e quem atendeu o rapaz foi Helena. Essa, diziam, era a mulher mais bonita do mundo (e veja bem, patrício, que o mundo não tinha muita gente, decerto era verdade). Bom... guri novo e mulher bonita... não ia prestar, mesmo! Páris disse o nome de Helena em voz alta, ela apaixonou-se... não demorou muito tempo e Menelau descobriu tudo.

Enlouqueceu, o homem! Queria carnear o Páris. Só que quando os homens do Menelau souberam, Páris já tava longe, montado num cavalo baio com Helena na garupa, rumo a Tróia.
Deu-se que Menelau queria jogar toda a tropa em cima das estâncias troianas, mas sabia que a peleja ia ficar muito parelha. Pediu ao irmão dele, Agamenon (esse era tão bavo quanto o nome) uma ajuda, e esse era monarca de uma outra estância chamada Mecenas. Ainda tinha uma tal estância de Atenas que lhes devia uns favores... se juntaram as três, embarcaram na viagem pelo Mar Egeu e iniciaram uma peleja que durou mais de dez anos!

E Tróia as pelejas começavam bem... mas os troianos logo viam que não ia dar boa coisa, se entocavam pra dentro das taipas troianas. Mas esses troianos eram metidos à indios: escondidos, jogavam flecha em tudo quanto era grego. E assim a luta dos homens perdurou...
Chegou um tal de Aquiles, pra ajudar os espartanos. Esse aí era tão taura, que diziam que quando ele ainda era mirradinho o monarca das pelejas, Ares, mandou a mãe dele mergulhar o guri no rio da imortalidade. A velha fez quase tudo certinho, só que segurou ele pelo garrão, que foi onde a água do rio não pegou. Mas voltando, Aquiles tinha chegado com um primo mais novo, de nome Pátroclo (tão ruim na briga quanto o nome). Os gregos, em comemoração, deram uma bela coça nos troianos e voltaram pro acampamento fazendo festa. Desandaram a dar vinho pro Aquiles a noite inteira, até ele chamar "Jesus" de "Genésio". De madrugada, os troianos chegaram de madrugada na cancha pra dar o troco nos gregos. Muita gente se preparou, mas Aquiles tava mui torto, não atinou nem a acordar do décimo sono em que estava. Daí, Pátroclo, que era guri novo (desses que não dá pra deixar sozinho, senão já dá porqueira), vestiu a armadura e o capacete de Aquiles, pra se passar por taura. No meio da pelejação toda, apareceu o troiano Heitor (e esse tava louco pra mandar o Aquiles pro outro mundo), que era irmão mais velho de Páris e metido a valente, viu o piá, achou que era Aquiles, e desceu o sarrafo no guri. Atravessou o peito dele com a espada e voltou da peleja pra casa cantando. Amanheceu, Aquiles acordou-se e viu que tinha muita coisa errada. Achou o que sobrou do piá na montueira de estrupiados e se flagrou de tudo. Aí vestiu as armaduras, colocou o capacete e bateu na porteira de Tróia e perguntou por Heitor. Heitor desceu da estância e iniciaram os dois uma peleja bonita. Só não deu meia hora e Heitor tombou morto da Silva. E Aquiles, mesmo ganhador, saiu rosnando de perto de Troia.

Os dez anos estavam pra acabar, quando chegou um tal Odisseu. Patrício, tenho de fazer uma parada no causo principal pra explicar o que ele fazia ali. Muito antes dessa peleja toda, Odisseu era dono de uma estanciazinha cercada de água, chamada Ítaca. Uma vez, ele estava em Esparta e se engraçou pros lados de Helena. Mas como Odisseu não era burro como o Páris, quando Menelau tinha visto, ele se desculpou. Explicou que não sabia que a china tinha dono e disse que se alguém atravancasse Esparta ele mesmo ia resolver. Mas isso porque ele jamais imaginava que alguma criatura seria tão besta a ponto de pelejar com Esparta. Mas enganou-se. Um dia, tava o Odisseu bem-belo, abancado no trono de rei da ilhota e avistou um barco espartano. Como imaginou que era cobrança de dívida com Menelau, colocou uma canga de arado no pescoço e desandou a fazer lavoura mugindo. Os homens viram aquilo, desconfiaram que era loucura (mas não essas vaca-louca... isso ainda tava longe de ser achado) e tavam pra ir embora. Só que um deles viu a Penélope (e essa era a mulher do Odisseu) com um bebezito nos braços. O homem pegou a criança e jogou na terra, pra ver se o Odisseu tava mesmo doido. Odisseu viu a cria na terra e se entregou. E certo fez.

Pois aí, patrício, Odisseu chegou e viu como é que tocavam no baile das estâncias de Tróia. Ele reparou que em Tróia os homens usavam um escudo com um bagual branco desenhado na frente, isso no meio de uma da peleja. Fizeram os homens de tróia recuar e começaram coma s flechas mais uma vez. Então, Odisseu atinou a sair saracotiando: "Bamo s'imbora, que esses taura ganharam a peleja. Bamo, que a terra é deles..."

Os de Esparta se achegaram nos acampamento e começaram a guardar tudo nas barcas... daí o Odisseu desandou a gritar pro macharedo: "Se acalmem, que a coisa é outra. Eu só queria que esses bagual de Tróia pensassem que tinham ganho. Agora é que eles caem do cavalo." E, nisso, Odisseu mandou os homens erguerem uma estátua enorme, dum alasão feito de madeira, a mesma que se faziam os barcos.

Deu umas 5 da madrugada (decerto, pois o sol tiunha nascido e ninguém tinha relógio na época), e o cavalo tinha ficado grande que dava pra ver o bicho lá do horizonte. Os cavaleiros de Tróia foram olhar que dabo era aquilo mais de perto... e contaram pro Príamo (o monarca deles) que não tinha barco no Mar Egeu, nem barraca no acampamento, só o bagualzito no más. Aí o monarca tava achando que era milagre, que os deuses tinham criado o bicho pra comemorar a vitória com ele. O Páris não achou que fosse o caso, disse pra queimarem o cavalo. Daí o Príamo estranhou o guri, deu-lhe umas bordoadas, mandou ele calar a boca e mandou colocarem o cavaldo de madeira no centro da cidade.

Anoiteceu e tava Tróia toda em festa. Se esbaldaram a beber e festar muito. A noite caiu e a barriga do cavalo se abriu. Dali saíram todo o tipo de taura contra Tróia: espartano, mecênico, ateniense e os do Odisseu. Estrupiaram com a Tróia, como raposa em galinheiro. Os troianos não tinham pronde fugir, ali deu o diabo todo...

Aí, chegaram os gregos na sala do rei de Tróia e desandaram a fazer o maior surungo. Páris tava apanhando como cachorro... jogou uma flecha pra cima e não é que a desgraçada não parou direto no garrão do Aquiles? Esse só disse "Aiaiai!" e tombou no chão mortinho da Silva. Só que o Páris viu que a coisa ia desandar pra cima dele, abriu uma passagem secreta e se bandeou com o rabo entre as pernas.

O Menelau, por outro lado, encontrou a Helena sozinha. Disse pra ela dar uma espiada na janela da sala e ver mais de mil maragatos se sarrafeando. E que tudo aquilo era por causa dela, então que deixasse de frescura. A prenda aceitou. Deu a mãozinha pro Menelau e dispararam rumo a Esparta.

E o Odisseu, sabichão que só ele, desandou a berrar na beira do Mar Egeu que era mais forte que os deuses. Sabe, patrício, o Odisseu era muito esperto, mas não tem homem na Terra que não tenha cometido uma besteira. Digo isso porque o deus monarca dos Mares ouviu o taura. Isso, veja vosmicê, era normal: tu te empolga com um feito, do tipo ganha uma guerra, e faz de dizer essas coisas... Mas o Odisseu não devia ter dito isso, porque o tal monarca Poseidon não se agradou da conversa.

Mas aí, já é assunto pra outra roda. Noutra vez, eu lhe conto.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Cinza II

Que frio! Sinto saudades de minha mãe. Se não fosse pelo meu pai, talvez essa poça desse misto de sangue e pó não fosse de quem é. Eu sinto a fumaça saindo do cano... o calor... eu ainda lembro do quão disparado bateu meu coração minutos antes de puxar o gatilho.

Eram duas da tarde. Depois de muito investigar, de muito examinar, de especular, de poucas noites dormidas... Sempre foi assim: horas e horas na internet, mas aquele momento era um pouco diferente. Desta vez, eu tinha um motivo. Meu pai foi morto por alguém. Nenhuma novidade até aí. Poucas honras feitas a ele. Eu sabia que ele se envolvia com gente barra-pesada, então o velório foi rápido. Nenhuma novidade.

Uma das vantagens do mundo moderno é a velocidade da informação. A polícia deixa muita coisa no plano virtual. Não é necessário ser hacker muito treinado (eu sou) para que se recolham “dicas” sobre qualquer caso. Não preciso dizer que foi o que fiz: usei os dados da rede de investigação da polícia e procurei pelo “Caso Marco”. Fácil demais.

Mataram o velho... a perícia encontrou em uma lixeira dois celulares. Um era do meu pai. O outro estava destruído, como se uma bala tivesse atravessado apenas uma das paredes dele por explosão interna. No fim das contas, estou certo: ele foi morto por alguém. Os dados apontaram um fato curioso no mortis causa: o projétil que matou meu pai não era uma bala. Era como uma bola de chumbo. Foi ela que atravessou o celular. Mas, dentre os celulares que a polícia encontrou, não era o do meu pai que estava destruído. "Uma armadilha" - pensei.


Como encontrar o desgraçado em uma cidade cada vez maior e mais cinza? Achei que fosse hora de ir pessoalmente ao apartamento do meu pai. Não queria vingar a morte dele, simplesmente. Eu gostaria de matar o homem que matou meu pai. Meu pai morreria pelas minhas mãos. E esse homem tirou isso de mim!

A perícia não sabia, mas meu pai tinha mais de uma arma. Uma em especial, eu conhecia bem o esconderijo. Perito nenhum observaria uma pedra falsa no banheiro, um cofre que raramente era aberto. Mas eu o vi fazendo. E não tive dificuldade nenhuma em reproduzir os movimentos dele para abrir o cofre.

Acessei seus e-mails também. Não entendi muita coisa, mas há uma rede em que meu pai trabalha. Um de seus rivais era Hugo. Se você mora nessa cidade, e sabe por que ela tem essa cor, deve conhecer Hugo. Papai trabalhou para ele, mas se desentenderam. Hugo traficava drogas, era “chefe grande”. Certamente, o meu pobre velho recusou essa parte do trabalho. Não vejo meu pai como herói. Mas ele não era vilão.

Deduzi que era hora de ir à polícia. Como sou jovem, decidi me vestir como nerd. Um estagiário de jornalismo, querendo ver o trabalho da perícia. Um policial me serviu como guia. Depois de ver a sala de “coletas” de provas de crimes, pedi para ir ao banheiro e de lá, chamei o meu “guia” pelo celular. Liguei para a estação de polícia e pedi que o chamassem. Ele foi atender o telefonema. E eu recuperei os celulares. O do meu pai e o outro. O guia voltou e eu consegui sair sem desconfiança de ninguém.

Usei o telefone. Exigiu muito de mim. Tive que usar alguns amigos que entendiam melhor isso de eletrônica. Não preciso dizer que eles são melhores que a polícia. A memória do telefone deu o nome do último número. Era o do meu pai. Mais algumas tarefas como hacker e encontrei o nome do homem que o ligou. Li também as poucas mensagens que ele mandava a uma certa G. No descobri muito a respeito dela. Só a admiração dele por ela. Pensei em sequestrá-la, mas eram poucas informações. Eu poderia matar os dois.

Esse é o tipo de vingança que não deve demorar muito. Por sorte, um dos meus amigos conseguiu um endereço "quente", possível morada do meu alvo e ligou para o meu celular. Apartamento 505. Anotei os dados, carreguei a arma e usei um circular para chegar lá. De bônus, meu amigo descobriu que ele não tem nenhuma arma registrada.

No caminho eu observei a cidade, algum assalto, muitas outras coisas que tornam essa cidade cinza. Uma nuvem escura começou a esconder o céu e colaborou para a falta de cor do cenário. Minha parada ficava a poucas quadras dali. Fui respirando fundo. Matar não é simples. De repente, um homem de chapéu em um casaco marrom me olhava. Ele estava na porta do prédio em que eu entraria. Ele entrou muito rápido no prédio. Suspeitei. Subi as escadas correndo. Ele estava subindo com alguma vantagem. Tirei a arma da cintura. A porta do 505 se fechou. Ouvi a tranca da porta funcionar. O apartamento 505. Coincidência?

Era hora do show! Disparei contra a maçaneta. Funcionou, a porta abriu. Estava escuro. Botei a mão em um interruptor, mas não havia luz. A única coisa que iluminava a sala era um espaço pequeno de uma janela entreaberta, mas o dia não é claro e tenho dificuldade. Finalmente avisto o vulto, abaixado em um canto. Que covarde! Fui andando para frente. Cinco balas. Despejei todas no desgraçado. Uma delas faiscou no casaco.

Senti como se uma abelha tivesse picado o meu peito. É parecido com quebrar uma costela. A dor era muita, acabei deitado no chão da sala. O pó do tapete assentava. Meu sangue começou a pintá-lo. O vulto continuava imóvel. A janela se abriu. Diante dela estava o homem que eu procurava, sem o casaco.

Apontei a arma para ele e puxei o gatilho. Estava sem balas. Meus olhos estão úmidos. Ele pegou o chapéu e deixou o casaco cair no chão. O vulto que vi eram quatro rodas de metal suportando o casaco e o chapéu. Perguntei de onde ele atirou. Ele disse que eu fui o único que atirou.

O calor do meu corpo parece estar acabando. Meu sangue fez uma poça. Frio. Sinto falta de minha mãe. Ele se ajoelhou ao meu lado e disse que eu também não tinha culpa. O verdadeiro culpado ia se ver com ele. Isso não me importa mais. A voz dele está ficando baixa. E está tão escuro...

(26/11/2006 – "Cinza" foi escrito. "Cinza II" foi escrito em agosto de 2008 e concluído no dia 26/03/2009)

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Cumplicidade (1ª parte)

- O quê??? O que você está me dizendo?
- Está certo. Eu vou repetir. Se eu matasse o Fernando, você esconderia a arma?
- Cara, que conversa é essa?
- Olha só... eu não tenho irmãos. Eu tenho você como amigo... melhor amigo. Não posso ter esse tipo de assunto com meus pais.
- Olha, cara... para com isso. Eu sei que você odeia o cara tanto quanto eu, mas...
- Isso! Você sabe do que eu to falando! Não acha que é hora de parar de apanhar só porque ele implica? De sair da escola sem ter medo? De ir jogar bola com os outros, sair pelas ruas...
- Parou, parou! Eu entendi a sua ideia, mas para de pensar nisso! A vida é assim mesmo. Você acha que ele é feliz nos infernizando? Cara, eu sei o que ele merece, mas não podemos.

A cabeça de Eduardo baixa.
- Ta achando que eu to aguentando isso?
- Cara, a gente tá no shopping... uma porção de gente pode nos ouvir.
Eduardo contém as lágrimas.
- Ta bom, cara... esquece. Ia ser loucura, mesmo.
Roger coloca as mãos nos ombros de Eduardo.
- Matar não é a saída. Nós fomos condenados a isso... então vamos aguentar heroicamente isso.
- É coisa de herói passar por isso? As garotas não olham pra nós... e nossos colegas, quando não estão no chão com a gente, estão rindo de nós!
- Essa não é a saída! Nós vamos provar pra todo o mundo que nós somos os melhores... mas sem isso.
- Cara... eu tava só te testando.
- Como é que é?
- Eu só queria saber até aonde você iria comigo, defendendo a minha causa.
- Não acredito!
- Pois é. Mas fica frio. Você passou.
- Peraí... jura que tava encenando?
- Por mais que eu odeie o Fernando... onde eu ia parar depois que ele fosse morto? Eu ia me ferrar, cara! Pra cada ação, uma consequência.

Roger suspira aliviado. Ele sentiu o coração voltar ao velho ritmo.
- Mas nessa... - despedia-se Eduardo.
- Já?
- É. Tenho mais uns troços pra fazer.
- Também já vou.
Apertaram as mãos e saíram de perto um do outro. Moravam em bairros não muito próximos. Cada qual seguiu seu rumo.

Tarde da noite, Roger ainda não tem sono. Ele se revolta. resolve deitar no sofá. Liga o televisor. Ele está cansado. De repente, seus olhos se abrem mais. Ele ouve o noticiário. A âncora anuncia o encontro de um corpo de um jovem estudante. Ele foi encontrado num beco, com um tiro no pescoço.

Na casa de Eduardo, o telefone toca. Eduardo mesmo atende, como se estivesse dormindo ao lado do aparelho.
- Eduardo? - falou a voz, do outro lado da linha.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Cinza

Foram embora. Felizmente nem ficaram para o café. vieram só por causa do Marco. Pobre Marco. Perguntaram a mim onde eu o vi pela última vez. Em pleno século XXI? Deus tenha pena!


Na última vez que vi Marco, era domingo à noite. Na manhã, joguei fora a caixa de leite... quase nova. Meu celular tocou na hora da ducha. Era um dia daqueles em que a gente fica p. da vida. Saí do chuveiro, molhei todo o banheiro, passei as mãos e o lado direito da cabeça na toalha e, finalmente, apertei a tecla verde do maldito telefone celular.


Era Marco. Dizia que tinha saudade e grana fácil. Tudo pra mim. Marco. Dois ou cinco anos sem nos vermos... não sei... com certeza não lembro... e que dane-se isso. Ele fazia questão de falar comigo, tinha um negócio a me propor.


Estudei bastante. A vida inteira. Sempre tive carros dos anos 90. O estudo não compensou o bastante. Nunca vou ter meu Mazda. Nem Porsche, nem Corvette... talvez, com a grana que eu muito poupasse, conseguiria uma pick-up. Não interessa agora. Grana sempre vem bem. Eu até gosto de carros dos anos 90.


Banho acabado. E-mails respondidos. Que droga, Glória! Porque você mora tão longe de mim? Ter você comigo seria a glória. E só. Glória: ela por ela mesma. O único café da cidade que abre aos domingos... tomara que meu café não tenha baratas.


Hugo estava lá. Grande Hugo. Líder de grupo, respeitado até pela polícia. Se você não olha pra ele, vai morrer. Se você olha pra ele, você já está morto. É só levantar a mão. Cumprimentar. Não tomar-lhe tempo. Hugo mandou um daqueles capachos... parecia um tapete, só que com braços. Me deu um recado importante: Marco queria falar comigo. Hugo é um idiota. Mas, se ele lesse pensamentos, nunca mais eu poderia tomar café. No máximo, eu tomaria sopa por um canudinho. Não sou otimista. É melhor que pensem que sou um burro calado, do que confirmarem que sou um burro falante.


Deixei cinco mangos com meu mensageiro. Três pelo café, dois pelo silencioso garçon. Se eu quiser continuar com meu carro, o negócio é embarcar em um táxi. Que cidade feia! Dá pra ouvir tiros. E são dez da manhã.


Engarrafamento. Blitz. Só chego ao centro ao meio-dia. Tem algo errado. Não sei o que é. Chove no calçadão. Cid, dono da banca de jornais quer papo. Ouço suas histórias. Diz que teve dezenas de mulheres. São boas histórias. Só histórias. Almoço em bandejas. Trabalhei tanto para chegar até aqui? Um quase-restaurante de quinta categoria. Eu queria ligar para Glória. Só poderia mandar uma mensagem pelo celular. Meu celular? Lá no café.


De volta. Mais um capacho de Hugo ali. Sozinho. Assim que me viu, correndo me entregou o telefone. Disse que eu deveria abrir mais os olhos se quisesse continuar vivo. Que celular pesado...


Outro táxi. A ala leste da cidade. A cada dia que passa, o céu é mais cinza. São seis da tarde. O motorista limpou minha carteira. A casa de Marco, no terceiro piso. Ele mesmo abriu a porta. Um abraço. Vamos ao seu escritório. Sentou, pôs os pés na mesa. Disse que precisava abrigar dois "colegas" dele. Eram traficantes. Os três. Eu disse que iria pensar. Dei-lhe outro abraço*.


Quando cheguei à esquina, meu celular tocou. "Marco" estava escrito no visor. Ele atendeu e uma bucha de chumbo atravessou a cabeça dele. Voltei ao seu escritório e joguei os dois celulares fora. Marco, sem um pedaço da cabeça, morreu. Minha irmã era apaixonada por um traficante. Morreu de overdose. Odeio traficantes.



(*Foi aqui que troquei os celulares.)

quarta-feira, 25 de março de 2009

A torre de Marfim (1ª parte)

- As boas vindas -

Fazia um belo verão na região que um dia fora chamada França. Mas devemos lembrar que estamos em outros tempos. A combinação química dos céus europeus fazem com que o astro maior pareça uma esfera cinza luminosa. Sua luz, agora acizentada, iluminava as vidraças blindadas da "Torre de Marfim", lar dos estudiosos do mundo todo. Pelo menos um deles. O Dr. Aki, grande reitor da torre recebe em seu escritório uma mensagem sobre o carregamento que estava atrasado. Sobe as escadas até o porto, o campo aberto sobre a torre. Dali, avista o veículo de navegação aérea, referido na mensagem.

O veículo larga delicadamente, por cabos, uma caixa grande, metálica, com um símbolo amarelo e uma figura caricata com forma humana. Dr. Aki coloca o cartão no identificador da caixa. Os "carregadores" abrem as portas e começam a abrir as cápsulas. Nelas estavam os sonolentos "novos estudantes".

- Para a câmara de temperatura, rápido. - gritou o doutor. E todos seguiram para a câmera.

Ali estavam 16 jovens. A câmara já havia os escanerizado. Estavam limpos. Eram humanos, não sub-raça. Dentre os jovens que ali estavam, o doutor centrou os olhos em um certo Chris. Chega, finalmente a parte da entrevista particular. Após a identificação de cada membro do grupo, Dr. Aki faz questão de entrevistar o jovem primeiro.

- Bem, meu jovem - inicia o Dr. - de onde veio mesmo seu carregamento?

- Dr. Aki, não é? Imaginei que a Torre soubesse de onde eles vêm.

- Desculpe... é da Torre de Bronze, não? Você sabe como era o nome do país onde hoje está a Torre de Bronze?

- Eu até gosto de estudar história, doutor... Mas pra falar a verdade, não tenho certeza. Me disseram que era um tal "Brasil"... ou "Peru"... eu simplesmente não sei. Não devo ser tão inteligente quanto pareço.

- Me conte mais uma coisa... e isso é sério! Você sabe porque uma região como aquela precisou de uma Torre? Será que foi o mesmo motivo desta região?

- Doutor, decerto todas foram. O que eu sei é que os museus viraram ruínas. As escolas viraram presídios para menores. Nossas músicas, nossa arte, nossa cultura... tudo foi destruído pelos... pelos...

- "Primatas"? - arriscou completar o doutor.

- Serve. E, pra fugir desse sistema, o Professor Arquimedes usou uma outra Torre como base. Eu tive de passar no exame de aptidão para ser aceito. Mas sabe que não havia muita concorrência? Fiz o exame certo de que passaria.

- Ótimo, meu jovem. Me fale sobre as coisas que gostava de fazer lá.

- Rock, doutor. Nunca me vendi ao controle da mídia no meu país. Eu vi aqueles primatas se armando... todos tinham televisão na cabeça. Bisbilhotavam a vida dos outros pela televisão. deixavam de viver suas vidas por isso. Eu nunca fui assim. Ouvia meu rock sozinho... ou com uma garota que eu simplesmente adorava. Nós falávamos de arte, de poesia, das coisas que sentíamos.

- Isso antes da Torre?

- Não... ela já estava construída.

- E as coisas fugiram do controle?

- Como em todo o mundo, doutor. Eu cheguei em casa e não havia ninguém... ela estava destruída por dentro. Nem minha mãe, nem minha irmã... Papai já estava na Torre do norte e não havia previsão de retornar. Foi aí que cheguei à conclusão... elas foram levadas por aqueles animais!

- Você não precisa falar disso se não quiser. Se preferir, pode me contar o que pretende fazer aqui. Tem algo especial que gostaria de aprender? Sabe de quantas academias estou falando, não?

- Eu queria aprender esgrima.

- Esgrima? Mas eu pensava que você era um admirador das artes...? Você sabe que para isso terá de tentar o alistamento?

- Tem que haver outro jeito, doutor. Sem alistamento. Na Torre de onde vim, não havia esgrima. Aqui não é onde um dia foi a França? Eu quero aprender a lutar isso.

- Não pretende um tipo de arte marcial? Temos bons professores...

- Sem ofensa, mas o doutor me ouviu muito bem. Nunca se sabe quando vou precisar lutar.

- Oh, não, não fique preocupado. Este Torre é muito segura. Bem, o tempo que eu tinha para entrevistá-lo acabou. Suas aulas começam amanhã. Espero que goste da Torre de Marfim.

- Está certo, doutor. Vou tentar dormir.

Chris levantou-se, apertou a mão do Dr. Aki com firmeza e dirigiu-se ao alojamento masculino para alunos. A próxima nova aluna era Julia. Ela passou com a cabeça baixa por Chris. Ele gostou do que viu: uma moça morena, de cabelos longos e lisos. Seus olhos eram de um castanho muito claro. A porta da sala do Dr. Aki abriu. Ela entrou sem olhar para trás, bem diferente do jovem, que quase tocava com o nariz na parede final do corredor. Desajeitado, mas sem perder a pose, ele se recompõe e continua seu caminho para o alojamento. Olhou por uma das janelas do corredor e sentiu saudades do Sol vermelho. Ali, ele era cinza.

(Continua, é claro.)